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quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Entrevista a Prof.Doutora Helena Serra

Entrevistamos a Professora Doutora Helena dos Anjos Serra Diogo Fernandes, que entre outras coisas, é Doutorada em Educação Especial, Presidente da Associação Portuguesa de crianças sobredotadas, docente no instituto superior de Educação Paula Franssinetti e Coordenadora Científica e Pedagógica do programa “ Sábados Diferentes “. Inicialmente, a Professora Doutora Helena Serra facultou-nos uma visão geral sobre o funcionamento do programa. O objectivo principal desta associação não é criar génios, mas sim satisfazer as suas necessidades. Necessidades essas que não são satisfeitas na escola.
Não precisam de um ensino dogmático, que apenas lhes dê respostas, mas sim de um ensino que levante questões e que coloque desafios. O carácter rígido das instituições educativas não promove a motivação destes alunos, “eles não se sentem felizes lá”, não tendo capacidade para lidar correctamente e gerir da melhor forma as diferenças deles. Muito devido a estas situações, surge o programa “ sábados diferentes ”, que, como o próprio nome indica, funciona num registo diferente do sistema educativo.
Para começar, são as próprias crianças sobredotadas que participam na definição do que vão fazer e das actividades a realizar, não há um programa pré-estabelecido. O programa é um espaço de crescimento, onde as crianças aprendem a aceitar a forma como funcionam os outros, sobredotados ou não. No fundo, aprendem a saber gerir as diferenças. Proporciona-lhes também a cimentação de amizades através do convívio com pares, bem como aprender a necessidade das regras, às quais são bastante avessos.
O tempo que estas crianças passam no programa é de grande utilidade para elas, pois aqui são respeitadas tal como são, na sua maneira de ser, pensar e agir, o que lhes permite um crescimento salutar, “ eles adoram a instituição!”

Que tipo de crianças participa no programa “sábados diferentes”?

H.S.: Este programa acolhe crianças com capacidades significativamente acima da média, com idades compreendidas entre os 4 e os 14 anos.
Destacam-se em diversas áreas, um pouco de acordo com a teoria das Inteligências múltiplas de Gardner. Temos, inclusive, crianças com um desenvolvimento significativo no domínio quinestésico-corporal, assim como há outras com uma elevada inteligência geral.
As crianças são avaliadas antes de entrar para a instituição, tanto no contexto escolar, como através da aplicação de testes de inteligência.


Quais as dificuldades especificas que apresentam as crianças sobredotadas? E quais as soluções?

H.S.: Depende muito do tipo de inteligência. A cada inteligência corresponde determinadas características, características essas que podem levar a conflitos, como no caso da escola, que muitas vezes não aceita o seu tipo de raciocínio. Eles têm imensa informação, têm avidez de informação, uma grande motivação e criatividade, bem como bastante energia, o que os torna muito rápidos a resolver problemas, e isso traz-lhes dificuldades sobretudo no contexto da sala de aula.
São crianças que só se empenham naquilo em que estão motivadas, e os professores utilizam muitas vezes estratégias do tipo repetitivo/rotineiro, e eles aborrecem-se pois detestam a rotina.
A forma de aprendizagem deles é por pesquisa, por colocação de questões. Nas salas de aula, entediam-se! Ou já sabem, ou é novo, e, no entanto aprendem logo, e o professor repete, e repete, o que se torna bastante maçador para eles.
Quanto à questão da socialização, são marginalizados. Vivem um bocado isolado, pois falam de coisas que não interessam muito aos outros. Perdem também um pouco do desenvolvimento sensório-motor, porque se interessam mais por outras coisas (letras, símbolos, sobretudo no plano do conhecimento) e não desenvolvem tanto as suas capacidades e destreza física. Para colmatar isso, temos um protocolo com a FCDEF, onde as crianças se deslocam, uma vez por mês para realizar actividades físicas. É fundamental realizarem actividades motoras, mesmo que não estejam motivadas para isso. Depois vão-se sentir realizados, mais seguros e, sobretudo, ganham auto-confiança.
Há muitos pais que têm relutância em dizer que os seus filhos são sobredotados, para os outros não acharem que se estão a exibir.

Qual deve ser o papel dos pais e dos professores dos sobredotados?

H.S.: Devem ter um papel sobretudo, de facilitadores, e não propriamente de grandes comandos. As suas principais funções são as de acompanhar e auxiliar. E como chegamos aos pais? Temos um programa de formação de pais na instituição, é uma exigência nossa, e estes participam nas actividades dos filhos. No entanto, há pais que vivem à sombra do “estrelato” do filho, e têm de ser advertidos de que o filho não está preparado para isso. A criança não pode tornar-se a “estrelinha”. As crianças precisam de naturalidade, que aceitem as suas diferenças e nunca deverão ser “exibidas” pelos próprios pais.

As crianças sobredotadas possuem recurso individual para se desenvolverem sozinhas?

H.S.: Nunca sozinhas. Ninguém se desenvolve sozinho, precisam de orientação e afecto.

A sobredotação pode ser considerada inata ou ambiental?

H.S.: Ambas, logicamente. São crianças que nascem inteligentes, mas precisam de acompanhamento, de alguém que as oriente. O afecto e a atenção são fundamentais para que se desenvolvam. Necessitam de um ambiente facilitador.
Temos de ter em atenção que são extremamente vulneráveis à rejeição e são hipersensíveis, reagem muito mal à frustração, pois têm uma leitura extraordinária do contexto e da dificuldade para gerir todas as situações. Carecem pois, de um “porto de abrigo”, da disponibilidade dos pais e/ou professores, de um patamar que as apoie num ou em todos os ambientes.

Qual a situação que mais a marcou na relação com as crianças sobredotadas?

H.S: Todas. Cada uma das crianças que por cá passou marcou o percurso e a vida de quem cá está.
Posso no entanto, falar-vos do caso de dois irmãos, ambos sobredotados, com experiências de vida distintas. Um deles, um adulto claramente sobredotado, mas que na adolescência não conseguia socializar, e não foi devidamente acompanhado. Era um aluno de “5” a todas as disciplinas e passou a ter notas medianas. Mais tarde licenciou-se em direito, mas nunca investiu como poderia ter investido. Passou a frequentar a psiquiatria para estabilizar e conseguir dormir. Hoje é funcionário público, não faz um décimo do que tem capacidades para fazer. Neste caso falharam os três contextos, casa, escola e pares.
Por outro lado o seu irmão, é um caso de sucesso. Com uma enorme inteligência motora, atingiu a auto-realização, tendo participado, inclusive, nos jogos olímpicos.
No seu caso, o grupo de pares não falhou nunca, os professores não fizeram grande falta. É preciso ter em atenção que dos três contextos (pais, professores e grupo de pares), um tem sempre que funcionar, pode falhar um ou até dois desses contextos, mas um tem sempre que estar presente e funcionar como apoio.

2 comentários:

Zulmira Pinto disse...

Chamo-me Zulmira. Li o que consta do blog e tenho a dizer que gostei muito do que li. estou a tirar um mestrado na área das Necessidades Educativas Especiais - Domínio Cognitivo e Motor, cujo tema é precisamente a sobredotação. o meu estudo é direccionado à percepção dos professores sobre os alunos sobredotados. é sempre útil existirem registos como este. Obrigada pelas publicações.

Mónica disse...

Bom dia!
Gostei muito da entrevista e sobretudo saber que há quem dedique o seu tempo, a estudar e trabalhar, para saber o que é necessário para desenvolver os potenciais com que nascemos e de que modo podem ser trabalhados de modo a que não terminemos um dia frustrados com toda a esperança que foi depositada em nós ao longo do crescimento, mas não devidamente orientada nem superadas as barreiras...